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Grupo de Apoio à Adopção de Angola celebra dois anos e reafirma luta pelos direitos da infância

O Grupo de Apoio à Adopção de Angola – GAAA, ligado ao Núcleo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em Angola, completa dois anos de atuação na próxima segunda-feira, 30 de junho. Criado como espaço de escuta, formação e apoio mútuo, o grupo já se consolidou como referência na promoção de uma cultura da adoção ética, consciente e afetiva no país.
Fundado em 2023, o GAAA realiza encontros mensais, sempre em formato virtual, com participação de famílias adotivas, pessoas em processo de habilitação e profissionais voluntários das áreas do Direito e Psicologia.
Presidente do GAAA e vice-presidente do Núcleo do IBDFAM em Angola, Iracelma Medeiros-Filipe lembra que o grupo nasceu de uma conversa entre ela e duas referências brasileiras na área da adoção: Jadeth Calixto e Cecília Coimbra, respectivamente presidente e coordenadora de um grupo de apoio à adoção no Brasil.
“Inspiradas pelo trabalho que ambas desenvolvem, decidimos avançar com a criação do primeiro grupo de apoio à adopção em Angola. Contactei a minha professora, Dra. Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção Nacional do IBDFAM, que acolheu a ideia com entusiasmo. Organizamos o lançamento oficial, que contou com cerca de 60 participantes e convidados ilustres, como o Dr. Sávio Bittencourt, a Dra. Mônica Labuto, entre outros”, relembra.
Segundo Iracelma, o GAAA veio suprir uma lacuna urgente: “a ausência de um espaço estruturado de escuta, orientação e formação para famílias interessadas em adoptar, bem como um ponto de diálogo entre a sociedade civil e o sistema de justiça”.
Ela diz que, antes da criação do GAAA, a adoção era um “não tema”. “As famílias adoptavam em silêncio, escondiam a condição adoptiva da criança e evitavam abordar o assunto, mesmo entre amigos e familiares.”
“Hoje, graças ao trabalho de sensibilização e à escuta activa promovida pelo GAAA, mais famílias falam abertamente sobre a adopção, partilham as suas experiências nas redes sociais e participam de actividades públicas. A parentalidade adoptiva está a ser compreendida e valorizada como uma forma plena e digna de constituir família”, afirma.
Haia
Iracelma Medeiros-Filipe destaca que o maior marco do GAAA foi a conclusão do processo de ratificação da Convenção da Haia pela República de Angola. “Durante anos, acreditava-se que Angola já era signatária, quando na verdade o processo havia ficado incompleto.”
“A partir da entrada em vigor da Convenção (setembro de 2024), abre-se a possibilidade para que crianças com perfis de difícil colocação (adopções tardias, grupos de irmãos, crianças com condições de saúde especiais) possam ser adoptadas por via internacional, com garantias legais e éticas”, explica.
A especialista ressalta que o Brasil é a principal referência. “Em nível africano, articulamos com São Tomé e Príncipe e agora com Cabo Verde, que está em fase de estruturação do seu primeiro grupo. Ainda não é possível actuar na Guiné-Bissau, que carece de legislação sobre adopção.”
As redes internacionais, acrescenta Iracelma, permitem a troca de boas práticas, fortalecem a cooperação técnica e promovem padrões éticos baseados em instrumentos como a Convenção da Haia. “Estas redes também oferecem suporte psicossocial às famílias e possibilitam a articulação entre órgãos centrais e grupos de apoio, facilitando processos seguros e centrados no superior interesse da criança.”
“A experiência de Angola mostra que os grupos de apoio são aliados do Estado e têm um papel estruturante na promoção do direito à família. Em apenas dois anos, conseguimos mudar o discurso público sobre a adopção e preparar famílias de forma mais humana e consciente. Esse modelo pode e deve ser replicado por outros países lusófonos”, pondera.
Regulamentação
Ainda segundo a vice-presidente do Núcleo do IBDFAM em Angola, a falta de regulamentação sobre o Título VI do Código da Família gera insegurança jurídica e dificulta o andamento dos processos. “Muitos institutos importantes não estão regulamentados, como a adopção intuitu personae, a adopção póstuma, a entrega voluntária e a busca activa.”
Ela defende a criação urgente de uma lei específica da adopção, elaborada por uma comissão multidisciplinar, tendo em vista que a ausência de uma legislação clara leva a situações trágicas. “Recentemente, em Luanda, um recém-nascido foi encontrado vivo num contentor de lixo. Casos como esse mostram a urgência de criar vias legais e seguras para a entrega voluntária, respeitando o direito da mulher de não querer ser mãe, mas assegurando o direito da criança de viver.”
Iracelma diz que o GAAA tem realizado reuniões com o Ministério da Justiça e apresentado propostas concretas para a criação efectiva do Órgão Central. “Apesar de Angola já ter feito a designação formal, na prática o órgão não funciona, impedindo o recebimento de pedidos de adopção internacional. Continuamos a pressionar para que o compromisso assumido seja cumprido.”
“Através de formações, publicações e escuta activa, combatemos ideias preconceituosas como a preferência por crianças ‘mais clarinhas’ ou a visão da adopção como caridade. Partilho o caso do Tony, uma criança negra, maior do que a idade que tinha e do sexo masculino, que foi rejeitado várias vezes. Não pude adoptá-lo pessoalmente, mas encontrei uma família para ele. Hoje, o Tony sorri. É uma vitória que nunca esquecerei”, lembra.
Para a especialista, é necessário tratar o tema com naturalidade e abandonar a visão da adoção como ato de caridade. “Quem adopta quer ser pai, quer ser mãe. Também é fundamental preparar as famílias antes do processo, como fazemos no GAAA. Não se pode esperar que uma família que não compreende a natureza da adopção esteja apta a acolher uma criança.”
Próximos passos
Os próximos objetivos incluem levar grupos de apoio a outros países lusófonos, como Cabo Verde e Moçambique. Em nível nacional, o grupo pretende garantir a criação efetiva do Órgão Central e, sobretudo, reduzir o número de crianças institucionalizadas, seja pela via da adopção, seja pelo apadrinhamento civil. “Há crianças que estão institucionalizadas não por falta de família, mas por pobreza. Queremos mudar isso.”
“O GAAA continuará a lutar por uma adopção consciente, estruturada, e centrada no melhor interesse da criança. Porque toda criança tem direito a pertencer. E nós não descansaremos enquanto esse direito não for plenamente garantido em Angola”, conclui a especialista.
Por Débora Anunciação
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